Estavam as duas sentadas na calçada, com as cabeças
encostadas na parede e os olhos cheios de alegria verificavam cada nuvem que
passava vagamente pelo céu. Eram garotas novas, com o corpo cheio de vigor, com
as curvas delicadamente desenhadas, com mentes lotadas de conhecimento da vida
e conhecimento de livros.
Amora e Anna,
esses eram seus nomes.
As duas meninas
tinham se conhecido em uma biblioteca municipal quando procuravam por livros do
mesmo autor. Uma não sabia onde a outra morava, simplesmente marcavam sempre de
se encontrar naquele lugar, na calçada, ao lado de alguns mendigos. Elas ainda
não sabiam o que estavam fazendo ali naquela tarde de primavera, sentadas à
toa. Sempre que sentavam ali era pra discutir sobre o que tinham lido na semana
e para falar sobre os problemas que as atordoavam, mas hoje algo tinha as
atacado, algo violento, mas que trazia algum tipo de paz interior às duas. Os
livros preenchiam o espaçamento entre as duas, os livros estavam ali, porém a
mente de cada uma das moças vagava e mesmo assim fazia o que todos os livros
poderiam fazer, as aproximava dos “sonhos da realidade”.
As pessoas que passavam apressadas para o trabalho olhavam
receosamente para as meninas e para os livros, alguns até meneavam a cabeça negativamente.
Algumas passavam e jogavam moedas, pense só: moedas! Não era disso que elas
precisavam o que elas precisavam estava entre as duas, unindo-as: os livros e o
conhecimento. Foi isso que as juntou, foram todos eles que as fizeram meninas
fortes, unidas, juntas, felizes. Naquela tarde de primavera os pássaros voavam
pelo céu, provavelmente voltavam para seus ninhos e para seus galhos. Elas
continuavam paradas, o pescoço não doía, pois era simplesmente lindo ver a vida
pelo céu, pelas nuvens e pelos raios que atravessavam as nuvens.
- Você não acha isso estranho? – finalmente Amora interveio.
- O que exatamente?
- Não sei, mas agora está estranho.
- É verdade.
(...)
Quinze minutos se passaram depois desse diálogo nada normal,
até que Anna começou outro diálogo:
- Eu tenho que ir para casa.
- A gente trás de novo os livros na próxima semana? –
perguntou Amora.
- Eu vou trazer se eu vier.
- Como assim “se eu vier”?
- Eu vou passar bastante tempo tentando entender o que
aconteceu hoje.
- Isso é fácil, são nossas mentes que hoje tiveram um tipo
de bloqueio, você não acha?
Anna fez uma careta e disse:
- Talvez. – assim ela se foi, sem se despedir de Amora, sim,
ela voltou na outra semana, mesmo sem entender o tipo de bloqueio que Anna
havia falado.
Nunca nenhuma das duas
entendeu e nunca entenderão, nem mesmo Anna. Mas eu posso falar sobre, naquela
tarde de primavera elas só tinham a necessidade de encarar a vida, a vida não
dos livros, mas a vida real. Um bom leitor sempre precisa de um tempo, de uma
válvula de escape, de uma saída de emergência, às vezes nós só precisamos viver
um pouco da nossa própria história.
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